O Conto do Profundo Abismo
“...E ele, enfim retirou as mãos que há um tempo mantinha no rosto, juntou toda a força que lhe restava, decididamente pôs-se de pé virou as costas, na direção segura, oposta ao enorme vão que os separava e se afastou. Foi embora, apertando o passo à medida que se afastava, sem sequer olhar pra trás, sem qualquer pesar no coração.”Subitamente parou,e percebeu que não era um precipício que exista,mas apenas a sombra desmensurada do perfil dela,uma pessoa cheia de medos,que criara um abismo psíquico.
Era como uma ilusão, que ela criava e se entregava. Era o tamanho de todo o medo que, sem saber, sentia. Ela gritou a ele que não atravessasse este abismo, mas ele olhava para ela sem entender. Não havia abismo algum. Ele só notava a distancia que ela tomara dele.
Vi que ela por vários momentos permanecia com as mãos juntas próximas a boca, aflita e falando algo. Era como orasse. E volta e meio passava os olhos por ele. Eles enchiam d’agua e logo ela voltava eles ao chão.Ficava aflita em vê-lo sentado ao chão a olha-la,sem fazer nada.E quanto mais tempo ele ficava parado mais aflita ela ficava,e gritava:” Não, querido, não tente cruzar o abismo pois assim só vai se machucar!”E por mais uma vez,quebrando mais uma promessa,ela pensara por ele.Parecia orar querendo pedir do fundo do coração que desistisse.Queria mais ainda desejar isso,mas no fundo só queria que ele se lançasse na sua ilusão,que a desobedecesse,que a contrariasse, para assim prova-la do contrario, e a tirasse da beira desse abismo louco que ela mesma criara para si.
Ele ficara indignado pelo fato de ela querer tomar as decisões por ele.Dela querer pensar por ele.Eram ultrajantes seus avisos.Era diminuir e desdenhar o que ele sentia ,do que isso tudo o tornava capaz,e tudo que ela possuía nele e dele.Ele não temia abismo algum,ou fera ou perdição do diabo.Ele não temia nada,por que a amava.E se algo fosse real e instransponível,ele transporia com a força cósmica do que lhe brotava por dentro.Mas desta vez, algo o enfraqueceu.Esse abismo não era da realidade,não era feito de pedras,e nem feito por deus ou pelo diabo.O abismo era criação dela.Não era real,nem palpável,nem havia por que.Ele sabia que mesmo que se quisesse atravessar suposto abismo,o medo dela ,de que ele falhasse ou ate mesmo conseguisse, iria apenas fazer o abismo aumentar.Brotariam jatos de lava do interior da terra,espinhos pontiagudos,demônios voadores,chuva de veneno,e uma virgem a tentar-lhe.Tudo uma projeção dos medos dela. E isso o entristecia de uma forma que sua alma ficara doente e suas forças iam perdendo o sentido.
Sua doença vinha com a raiva. A raiva sem-por que queimava-lhe a alma. Ele permanecia imóvel, segurando a dor. E já era tamanha dor que ela causara que seus sentidos começaram a falhar, começara a ter alucinações. Ele poderia enfrentar deus, o diabo, o próprio cosmo, com o poder que lhe brotava de dentro, fruto do que eles dois construíram. Mas pela primeira vez ele encontrou algo que seria mais forte que isso tudo, mas forte que deus; Ela. Porque dele e dela vinham seus poderes.
Ele já começara a perder os sentidos. Tudo começou a se tornar liso e cheio de rancor. E indiferença se instalava na sua carne. E o que restava dele gritava, calado. Gritava por ela, destruindo-o e querendo-o. Ela o queria e tinha medo. Medo por ela e por ele. Mesmo havendo se amado e jurado tudo. E isso tudo ainda era para ele uma quebra louca. Seus músculos iam se paralisando e endurecendo como se tivesse tomado um veneno. O veneno era isso tudo. Toda ilusão que ela criara. Toda a confusão dela. E ele via no meio desse turbilhão de ilusões confusas, através de uma brecha, ela, do outro lado dessa loucura. Ele a via como a conheceu, como conviveu, nem que fosse por instantes. Ela feliz e segura de alguma forma. E isso o fazia resistir, à dor, à indiferença, ao rancor. Ele sabia que aquele não era seu estado normal. Pelo simples fato de não haver coerência alguma.
Anestesiadamente exausto, parecia surdo por um zumbido e por apitos. Com a vista cansada, já não a via na distancia. Ela ia falando e se afastando com leves passos para traz, como se o chão a quisesse engolir. Ele pensou ter ouvido alguma coisa dela, mas não identificava som algum. Todas as atitudes dela destruíram os seus porquês, e daí suas forças. Ele não conseguia nem pensar.
Pouco antes de unir forças para levantar, a febre já havia se instalado. Ela destruiu tudo, sem se importar com nada. Alias sem dar valor a tudo de estrondosamente valioso que ela tinha. Ele a provou de todas as formas. Não haveria coisa alguma na terra nem no céu que o impediria. Até que ela, julgando real o abismo mental que ela criou, pôs um empecilho inexorável; o medo dela. E a força desse medo inconsciente e inadmissível.
Ele pensava tanto sobre por que ela não o ajudaria atravessar o abismo fictício, já que o amava e o queria tanto quanto ele. Nessa altura, já tremia de frio, e pensava que quem ama de verdade não faz o outro infeliz. Quem ama de verdade procura fazer o outro feliz,como ele sempre buscou fazer para com ela.
Antes que sua alma sucumbisse, e com ela a sua sanidade cósmica, ele saiu andando para não se deixar vencer por indiferença ou rancor, ou fraqueza alguma. Para que seu amor não morresse. Nenhum medo foi maior do que seu amor. Mas pelo jeito os medos dela foram maiores do que ela mesma. Ela sucumbiu e se submeteu aos seus próprios medos. Submeteu o seu amor, e deixou a força que vem do amor de lado. Com essa força pode se vencer tudo, absolutamente tudo, até Deus. Ele mesmo criou isso, para que, se um dia Ele caísse em discórdia, seus filhos pudessem ser maiores do que qualquer coisa, se tivessem consigo a força que provém de seus corações.
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